COMENTÁRIOS
DE KEN WILBER
1)
Excertos da entrevista de Ken Wilber à jornalista alemã Edith Zundel (do livro Grace and Grit – Graça e Determinação)
EZ: Eu, Rolf e nossos leitores estamos
particularmente interessados na interface entre psicoterapia e religião.
KW: E o que significa para você a
palavra religião? Fundamentalismo? Misticismo? Exoterismo? Esoterismo?
EZ: Bem, este é um bom ponto para
começarmos. Se não me engano, em Um Deus
Social você apresentou onze diferentes definições para religião ou onze
diferentes maneiras como é usada a palavra religião.
KW: Sim, e minha opinião é que não
podemos falar de ciência e religião, ou de psicoterapia e religião, ou de
filosofia e religião antes de definir o que entendemos pela palavra religião. E
visando ao nosso objetivo, no momento, penso que devemos distinguir pelo menos
entre o que é conhecido por religião exotérica e religião esotérica. A religião
exotérica ou “exterior” é religião mítica, religião que é terrivelmente
concreta e literal, que realmente acredita, por exemplo, que Moisés abriu o Mar
Vermelho, que Cristo nasceu de uma virgem, que o mundo foi criado em seis dias,
que, um dia, literalmente choveu maná do céu, e assim por diante. Em todo o
mundo, religiões exotéricas consistem desses tipos de crenças. Os hindus
acreditam que a Terra deve estar apoiada em algo; assim, crêem encontrar-se
sobre um elefante que, também necessitando de suporte, está sobre uma
tartaruga; esta, por sua vez, encontra-se sobre uma serpente. E quando surge a
pergunta “Em que a serpente está apoiada?”, a resposta dada é “Mudemos de
assunto”. Lao Tsé nasceu com novecentos anos, Krishna acasalou-se com quatro mil
vacas, Brahma nasceu da quebra de um ovo cósmico etc. Isto é religião
exotérica, uma série de estruturas de crenças que tentam explicar os mistérios
do mundo em termos míticos ao invés de termos testemunhais ou de experiência
direta.
EZ: Assim, a religião exotérica ou exterior
é, basicamente, uma questão de crença, não de evidências.
KW: Sim. Se você acredita em todos os
mitos, será salvo; se não, vai para o Inferno – sem discussão. Esse tipo de
religião é encontrado no mundo inteiro – fundamentalismo. Não tenho nada
contra, apenas este tipo de religião, religião exotérica, nada tem a ver com a
religião mística, ou religião esotérica, ou religião experiencial, que é o tipo
de religião ou espiritualidade que me interessa.
EZ: O
que significa esotérico?
KW: Interior ou oculto. O fato de a
religião esotérica ou mística ser oculta não é porque seja secreta ou algo
assim, mas sim porque é uma questão de experiência direta ou percepção pessoal.
A religião esotérica não pede que você acredite em nada na base da fé ou que
engula obedientemente qualquer dogma. Ao contrário, a religião esotérica é um
conjunto de experimentos pessoais conduzidos cientificamente no laboratório da
sua própria consciência. Como toda boa ciência, é baseada na experiência
direta, não em simples crenças ou desejos, e pode ser verificada e validada por
outras pessoas que também tenham executado o experimento. O experimento é a
meditação.
EZ: Mas meditação é privada.
KW: Não, não é. Não mais do que,
digamos, a matemática. Não há, por exemplo, nenhuma prova de que menos um
elevado ao quadrado é igual a um; não há nenhuma prova sensória ou empírica
para isso. É verdadeiro, mas somente é provado por uma lógica interna. Você não
consegue encontrar menos um no mundo exterior; somente o encontra na sua mente.
Mas isto não significa que não seja verdade, que seja conhecimento privado que
não possa ser validado publicamente. Significa somente que esta verdade é
validada por uma comunidade de matemáticos treinados, por todos aqueles que
sabem como funciona o experimento lógico que irá definir sua veracidade. Do
mesmo modo, o conhecimento meditativo é conhecimento interno, mas conhecimento
que pode ser validado publicamente por uma comunidade de meditadores treinados,
aqueles que conhecem a lógica interna da experiência contemplativa. Não se
admite que qualquer pessoa opine sobre a verdade do teorema de Pitágoras;
somente matemáticos treinados estão capacitados a fazê-lo. Da mesma maneira, a
espiritualidade meditadora faz certas afirmações – por exemplo, que se você
olhar profundamente para o seu eu interior sentirá que ele é uno com o mundo
exterior – mas a veracidade delas deve ser verificada por você e qualquer outra
pessoa que tente fazer o experimento. E após algo como seis mil anos em que
este experimento vem sendo realizado, sentimo-nos perfeitamente tranqüilos em
tirar certas conclusões, em desenvolver certos teoremas espirituais, por assim
dizer. E esses teoremas espirituais são o núcleo das tradições da sabedoria
perene.
EZ: Mas por que ela é chamada
“oculta”?
KW: Porque se você não realiza o
experimento, então não sabe o que está acontecendo, não está em condições de
opinar, do mesmo modo que se você não aprende matemática, não consegue discutir
a veracidade do teorema de Pitágoras. Quero dizer, você pode ter opinião a
respeito, mas o misticismo não está interessado em opiniões, mas sim em
conhecimento. A religião esotérica ou misticismo encontra-se oculta para a mente daqueles que não realizam o
experimento; é isso que significa a palavra “oculta”.
EZ: Mas as religiões variam muito
entre si.
KW: As religiões exotéricas variam
tremendamente entre si; as religiões esotéricas são virtualmente idênticas em
todo o mundo. Como já vimos, o misticismo (ou esoterismo) é científico, no
sentido mais amplo da palavra, e do mesmo modo que não se tem química alemã
versus química americana, não existe ciência mística hinduísta versus ciência
mística islâmica. Ao contrário, elas concordam fundamentalmente no que diz
respeito à natureza da alma, à natureza do Espírito e à natureza da sua suprema
identidade, entre outras coisas. Isto é o que os eruditos chamam de “unidade
transcendental das religiões do mundo” – eles referem-se às religiões
esotéricas. É claro, suas estruturas superficiais variam tremendamente, mas
suas estruturas profundas são virtualmente idênticas, refletindo a unanimidade
do espírito humano sobre as leis desveladas fenomenologicamente.